O AMOR (texto de Lya Luft)
O amor é uma escultura que se faz sozinha. É uma flor inesperada sem estação do ano
para surgir nem para morrer. Vai sendo esboçada assim ao léo: aqui a
sobrancelha se arqueia, ali desce a curva do pescoço, a mão toca a
ponta de um pé, no meio
estende-se a floresta das mil seduções.
Imponderável como a obra de arte, o amor nem se define nem se enquadra: é
cada vez outro, e novo, embora tão velho. Intemporal. Planta selvagem, precisa
de ar para desabrochar mas também se move nos vãos mais escuros, em ambientes
sufocantes onde rebrilham os olhos malignos da traição ou da indiferença, e a
culpa o pode matar.
O
convívio é o exercito do amor na corda bamba. Os corpos se acomodam, as almas se espreitam, até se
complementam. Mas pode-se cair no tédio – sem rede –, e bocejar olhando pela
janela. Inventamos receitas para que o amor melhore, perdure, se incendeie e
renove... nem murche nem morra.
Nenhuma funciona: ele foge de
qualquer sensatez, como o perfume das maçãs escapa num cesto de vime tampado. Se fossemos sensatos haveríamos de procurar
nem amar, amar pouco, amar menos, amar com hora marcada e limites. Mas o
amor, que nunca tem juízo, nos prega peças quando e onde menos esperamos.
Nunca nos sentimos tão
inteiros como nesses primeiros tempos em que estamos fragmentados: tirados de nós mesmos e
esvaziados de tudo o mais, plenos só do outro em nós. Nos sentimos melhores, mais bonitos,
andamos com mais elegância, amamos mais os amigos, todo mundo foi perdoados,
nosso coração é um barco para o qual até naufragar seria glorioso (ah, que
naufrágios...).
Mais que isso, nesse castelo
– como em qualquer castelo – não pode haver dois reis. Quem então cederá seu
lugar, quem será sábio, quem se fará gueixa submissa ou servo feliz, para que o
outro tome o lugar e se entronize e... reine?
A
palavra “liberdade” teria de
ser mais presente, porém é mais convidada a discretamente afastar-se e permitir
que em seu lugar assuma o comando alguma subalterna: tolerância, resignação,
doação, adaptação. Rondando o fosso do castelo, a vilã de todas a culpa.
Quem deixou sobre minha mesa
o bilhete dizendo “se você ama alguém, deixe-o livre” sabia das coisas, portanto sabia também o
desafio que me lançava. No mundo das palavras há tantos artifícios quantas são
as nossas contradições. Por isso, conviver é tramar, trançar, largar, pegar,
perder.
E nunca definitivamente
entender o que – se fossemos um pouco sábios – deveríamos fazer. Farsa,
tragédia grega, outras soneto perfeito: o amor, com as palavras, se disfarça em
doces armadilhas ou lâminas. (Lya Luft)
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