“A juventude não é apenas um período de vida (…), mas uma qualidade de alma que se caracteriza precisamente por um idealismo que se abre para o amanhã.” (Joao Paulo II)


domingo, 11 de setembro de 2011

JOVEM. LER, PARA QUÊ?


- Véspera de prova de física. Nervos à flor da pele. Tentativa desesperada de decorar aquela "fórmula mágica". Barulho de chinela de mãe se aproximando. Beijo na testa, carinho no ombro e a infalível pergunta óbvia: 
- "Tem prova amanhã, filho?"
- "É. Física."
- "Complicado, não é?"
- "Uh-hum!" 
- "Meu filho, não vejo você lendo nada que não sejam seus livros didáticos...Você não gosta de ler?" 
- " Deteeeeeeeesto! " 
- "Mas, meu bem, se você não ler vai ficar bitolado, tendo somente a informação essencial que lhe dão nas aulas" 
- "Essencial, é? Vai ficar no meu lugar e ver se é só o essencial! Se você visse quanta coisa supérflua me ensinam...” 
- "Por exemplo?" 
- "O tipo de clima da China e a importância do Estreito de Gibraltar, só prá dar um exemplo! Prá que, pelo amor de Deus, preciso saber disso? 
- "Ora, para ter cultura geral." 
O filho, com uma careta de enjôo:
- "Cultura geral? Sem essa, mãe! Hoje em dia não se pode ter mais cultura geral. Tem informação demais! 

Além disso, prá que que existe enciclopédia informatizada? Prá que é que vai me servir saber destas coisas? O que é que vou ganhar com isso?" 
- "Meu bem, além da cultura geral, tem a sua formação. Há tanta coisa linda na história, na filosofia, na literatura, a poesia,então..." E a mãe olha longe, se lembrando do seu tempo, tempo bom aquele em que se dava valor ao belo, às coisas que realmente tinham importância... 
- "Aí não, mãe! Aí você já está é julgando. Li TODOS os livros para-didáticos deste semestre. Desta vez não fiz nenhuma prova de leitura lendo só o começo e o fim do livro. Aí não... Aí é injustiça!" 
A mãe, distraída: 
- "Sede assim qualquer coisa serena, isenta, fieL.." 
- "Que?" 
- "É um poema de Cecília Meireles. Li a antologia dela quando era jovem. Nunca esqueci esta parte. Veja que lindo: 'Sede assim qualquer coisa serena, isenta, fiel. Flor que se cumpre sem pergunta.'" 
- "Pôxa, naquela época ela já queria ficar isenta, era?" 
- "Hum?" 
- "É, isenta do imposto de renda. Assim, enrolando, só pode mesmo é ser fiel." 
A mãe perde a paciência: 
- "Isenta, aí, mentezinha audio-visual, não significa isso! Significa 'pura', 'intocada', 'incorrupta'..." 
O filho, de si para si, trata de armar uma defesa, pensando: "Ai, ai, ai! Pelo jeito, vai acabar em lição de moral. Te cuida, cara!. " E, abraçando a mãe para evitar o pior: 
- "Eu sei, mãezinha, eu sei..." 
Tarde demais. O vulcão já estava em plena erupção: 
- "Não sei o que vai ser de você e de sua irmã! Da próxima vez que a Maria faixineira vier, vou mandar espanar a mente de vocês. Está cheia de teia de aranha! Como é que vão aprender a pensar se não lerem, hein? Me diga! Como é que vão ter uma visão larga do mundo se não lerem? Me diga! Me diga! Jornal só serve prá ver que filme está passando; revista informativa só serve para ler a seção de fofoca e de humor; literatura só serve para fazer prova; história só serve para passar no vestibular; filosofia é coisa de padre; teatro é coisa de homossexual... Meu Deus, o que foi que fiz para merecer ter filho bitolado!" 
O filho tenta mais uma vez. Afinal, pode sobrar para ele...
- "Calma, gatinha, fique fria!" 
- "Fria! Já estou há muito tempo é congelada! Congelada de horror há muito tempo! (e aqui é há com "h", caso você não saiba!) Me dá pavor só de pensar em como vocês vão tomar decisões na vida, como vão desenvolver os critérios de juízo, como vão compreender o Evangelho, como vão fazer diferença no mundo!" 
- "Ora, mãe! Até o superior do Pe. João Maria Vianney achava que ele era burro e ele é hoje o patrono dos sacerdotes... " 
A mãe atônita: 
- "Meu Deus! Não acredito! Você já ouviu falar de alguém que não cai no vestibular!" E, refazendo-se para novo ataque: "É, mas não estou falando de ser inteligente ou não. Isto, graças a Deus vocês todos são. Todos puxaram à mãe neste ponto. Estou falando de ler, mergulhar em um mundo muito além do seu vestibularzinho, muito além da bitolação binária do seu computador, muito além do que a TV lhe ensina, se é que ensina alguma coisa que preste! Estou falando, filho, de alma, de horizontes largos, de um olhar sobre o passado para poder analisar o presente e viver o futuro..." 
"Essa última foi demais! 'Olhar sobre o passado para analisar o presente e viver o futuro'?!? Tenho que sair dessa rápido!", pensa o filho, montando rapidamente uma última estratégia para acabar o papo. A mãe, inocente quanto ao ataque que se aproxima, continua: 
- "Estou falando de um mundo onde você poderá partilhar da experiência de outras pessoas, desenvolver seu senso crítico, servir mais a Deus com os talentos que Ele lhe deu... " 
"Perigo! Perigo!", soou a campainha anti-lição-de-moral-de-pai-e-mãe instalada no cérebro do rapaz. Era a hora do golpe final. Agora era tudo ou nada, e "nada" significava um monte de livros na cabeceira dele na manhã seguinte com um bilhetinho assinado aquele irresistível "Beijo, mamãe".
Atacou solene, caprichando no português: 
- "É, mãe, eu sei, eu sei! Há (com "h") tantos rapazes como eu desejando estudar e no entanto têm de trabalhar, tantos que passaram tanta fome que não têm como absorver (com "r") o que lêem (com dois "e"), tantos à mercê...
- "'A' craseado!" 
- "É, eu ia dizer isso mesmo: tantos à mercê do que os outros pensam ou acham, sem opiniões próprias, sem critérios de juízo, andando pela cabeça dos outros, como insetos hemípetros da fanu1ia dos Pediculídeos..." 
- "Insetos o que?" 
- "Insetos hemípetros da família dos Pedulídeos: piolho, mãe, piolho! Você não leu o dicionário, não sabe que insetos hemípetros que andam pela cabeça dos outros são piolhos?" 
A mãe percebeu que tinha caído em uma armadilha, Antes que soubesse o que fazer aceita o beijo que o filho lhe sapeca na testa, vitorioso. No dia seguinte, porém, o montinho de livros estava lá com o irresistível: "Beijo,
mamãe", 
*********
Na poltrona do avião, o filho rabisca, apressado, um bilhete:

“Querida Mãe, 
Beijo! Como está a pressão do papai? E a sua artrite? Tenho orado para que fique voa e possa voltar a tocar piano breve. Quando tiver féria quero ouvi-la tocando o Traumerei de Shunann. Ninguém toca como você. 
Faz (no singular, porque significas”há”) oito horas que estamos viajando. O avião acaba de passar dobre o Estrito de Gibraltar. Breve estaremos pousando em Milão. Passo dois dias lá com a mana, trinando nosso italiano, e depois vou para Pequim. O clima lá, graças a Deus, é excelente nesta época do ano. Isso vai facilitar nossa missão de evangelização. Quem diria que você tinha razão quando dizia que nós latino-americanos, iríamos evangelizar a China! Houve tantas mudanças no cenário político mundial nestes últimos anos, não é verdade? Graças a Deus vou poder usar o inglês e o francês até aprender a língua deles. Creio que minha medicina vai me ajudara a me aproximar deles um pouco também. 
Conto com suas orações e as do papai. 
À mãe (com crase) mais isenta e fiel do mundo, um beijo, 
Seu filho” 
PS:Perdam pelaz brincadeiraz cum u purtugueis. 
PPS:A Baixinha manda mil beijos. 
***************** 
A mãe beija o bilhete e o coloca em uma velha caixa de papelão, onde estão colecionados muitos outros, que um dia serviram como mercadores de livros: 
“Filho, sei que você vai adorar estes livros. Beijos, mamãe.”
Fonte: Comunidade Shalom

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