Nada o detém na sua entrega amorosa
Vamos começar nossa reflexão a partir
das palavras que São João usa para sintetizar o que aconteceu na Última Ceia e na Paixão de Jesus:
“Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13, 1).
Amar até o fim significa que, no caminho
da sua entrega por nós na Cruz, Jesus seguiu todas as etapas, sem deixar uma
só, e chegou até o final. As penúltimas palavras que pronunciou na Cruz foram:
“Tudo está consumado” (Jo 19, 30), antes de clamar: “Pai, nas tuas mãos entrego
o meu espírito!” (Lc 23, 46).
Mas amar até o fim também significa que
Cristo, na Cruz, nos amou sem limite algum, sem recuo algum, sem poupar-se em
nada, até ao máximo extremo. Nada limitou o seu amor. Não se deteve em
barreiras, não o arredou nenhuma dor, nenhum sacrifício, nenhum horror. Acima
do seu bem-estar, da sua honra, da sua vida, colocou a salvação dos que amava,
de cada um de nós.
Já pensamos no que é um amor ilimitado?
Um amor que não depende de nada, nem exige nada, para se dar por inteiro?
O amor de Cristo começa sem que nós o
tenhamos amado, não é retribuição, é puro dom; e chega até ao extremo ainda que
nós não correspondamos, melhor dizendo, no meio de uma brutal falta de
correspondência. Nisto consiste o amor – esclarece São João –: “não em termos
nós amado a Deus, mas em que Ele nos amou primeiro e enviou o seu Filho para expiar
os nossos pecados” (1 Jo 4, 10).
A meditação da Paixão, neste
sentido, é transparente. Nenhum sofrimento físico aparta Jesus da Cruz. Basta
que contemplemos – como numa sequência rápida de planos cinematográficos –
Jesus preso, amarrado, arrastado indignamente, esbofeteado, açoitado até a sua
carne se converter numa pura chaga, coroado de espinhos, esfolado e esmagado
sob o peso da Cruz, cravado com pregos ao madeiro, torturado pela dor, pela
sede, pelo esgotamento... Nada o detém na sua entrega amorosa.
Podemos projetar também – em flashes
consecutivos – a sequência dos seus sofrimentos morais, e perceber que tampouco
conseguiram afastá-lo de chegar até ao fim. É caluniado, ridicularizado,
julgado iniquamente, condenado injustamente; alvo de dolorosa ingratidão, de
hedionda traição; é ferido pela infidelidade, pela falta de correspondência dos
que amava e escolhera como Apóstolos; é atingido pelas troças mais grosseiras,
pelos insultos mais ferinos, por escarros e tapas no rosto...
Nada o faz recuar, nem sequer a última
humilhação, pois não o deixaram morrer em paz, e desrespeitaram com zombarias e
insultos os últimos instantes da sua agonia. Os que passavam perto da Cruz
sacudiam a cabeça e diziam: “Se és o Filho de Deus, desce da cruz!”
Os príncipes dos sacerdotes, os escribas
e os anciãos também zombavam dele: “Ele salvou a outros e não pode salvar-se a
si mesmo! Se é rei de Israel, desça agora da cruz e creremos nele; confiou em
Deus, que Deus o livre agora, se o ama...” (Mt 27, 39-43). Esta doação sem
limites de Cristo é o Amor que nos salva, o caminho que Ele quis escolher para
nos livrar do mal, afogando-o em si – no seu Amor – como num abismo.
Ao mesmo tempo, é um contínuo apelo ao
nosso amor. “Quem não amará o seu Coração tão ferido? – perguntava São
Boaventura –. Quem não retribuirá o amor com amor? Quem não abraçará um Coração
tão puro? Nós, que somos de carne, pagaremos amor com amor, abraçaremos o nosso
Ferido, a quem os ímpios atravessaram as mãos e os pés, o lado e o Coração.
Peçamos que se digne prender o nosso
coração com o
vínculo do seu amor e feri-lo com uma lança, pois é ainda duro e impenitente.
Padre Francisco Faus
http://www.padrefaus.org/
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Fonte: canção nova
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